Desabafos de Marvão

O convite de um amigo para desabafar na Rádio Portalegre, todas as quartas, às 7.30h, 10.30h, 13.30h, 17.30h, 23.30h, levou-me também a criar um espaço, na blogosfera, onde possam ficar registados os textos da versão radiofónica. Espero que gostem e já agora, se não for pedir muito, que vos dê que pensar. Um abraço...

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Localização: Marvão, Alentejo, Portugal

Um rapazinho de Marvão

quarta-feira, março 28, 2007

26º Desabafo – 28 de Março de 2007 – “A votação na selecção”


A segunda metade do jogo da selecção A no sábado passado devolveu-me a fé na portugalidade, de tal forma que nem sequer me senti abalado pelo trágico desfecho do concurso dos “Grandes Portugueses” que nos relembrou quão pequenos podemos ser quanto a respeito de memória e auto-estima colectiva, ao entregar postumamente o ceptro do poder ao velhinho de Santa Comba Dão, António de Oliveira Salazar.

Mas deixemo-nos de coisas tristes e relembremos aqueles assombrosos últimos 45 minutos em que os jovens infantes elevaram bem alto o estandarte da selecção das quinas! E não é que os fanfarrões dos belgas estavam mesmo a pedi-las? Depois das sórdidas ameaças do cara de parvo do guarda-redes e do discurso belicista do seleccionador, nada melhor que uma lambada “tuga” de luva branca, daquelas à antiga portuguesa, com 4 tentos de rajada na “pá” para que nunca mais se esqueçam que a miudagem é mesmo “show di bola”. E que luxo, senhores, que privilégio poder ver os catraios (mesmo que há distância de um ecrã) “bombar” o melhor futebol que há muito não víamos. Digam lá se não foi engraçado ver o Figuinho e Príncipe de Florença pasmados na bancada com um sorriso agridoce de quem vê a descendência assegurada mas teme que com jogatanas destas, os esqueçam mais depressa do que pensavam? Aposto que até o Simãozinho e o mágico de Barcelona devem ter gostado da actuação mas não conseguiram evitar no final um “se for sempre assim, onde é que eu encaixo?”. E de todos, saltam 3 por serem por demais evidentes. Na ponta direita, o puro sangue de raça cigana com o seu futebol para lá do já inventado, sempre imprevisível, em danças estonteantes feitas de rodopios e toques de calcanhar, mudanças de velocidade e rotações, dribles alucinantes e as trivelas senhor! as trivelas coroadas com o genial lance do terceiro golo que ficará para sempre gravado a ouro nas páginas mais lindas da história do nosso futebol. No centro, o fabuloso algarvio de palmo e meio, carregando todo o futebol que há no mundo na ponta dos pés. Moutinho não tem os vinte anos que vêm no seu B.I., tem muitos, muitos mais e um cérebro que debita futebol em alta rotação e faz dele o motor incansável da nossa squadra. Corta, rouba, imagina vielas e linhas de passe, centros e desmarcações e prova em cada toque que o futuro é nosso. Como se não bastasse, há ainda a jóia da coroa, o verdadeiro dono do bailinho da Madeira, o que nasceu entre nós para agora ser do mundo, Ronaldo, o grande! E que tremendo gozo é vê-lo partir em voos picados de 40 metros sobre as defesas contrárias, hipnotizando-os com os seus toques febris, magnetizando-os com o seu compasso, arrastando-os de recuas até à boca da área, onde os deixa caídos de cú na relva, para fugir de rajada e desferir de seguida mais um petardo que há-de explodir no fundo da baliza adversária. Meus senhores, estes meninos são de oiro!

Que pena os nossos políticos não serem também assim! Mas infelizmente não são! E aí, todos sabemos que a coisa piora um bocadinho…

Mas o Portas está de volta e tenho de confessar que já tinha saudades. O Portas faz falta porque o Portas faz oposição. Mal decidiu voltar à luz da ribalta ao candidatar-se à liderança do seu partido, aproveitou a conferência de imprensa para dar duas caneladas no Sócrates. O Portas faz falta porque é inteligente, é culto e sabedor, tem ambição, garra e determinação, gosta daquilo à farta e diverte-se, divertindo-nos. Faz falta gente assim! Ao contrário dos filmes da série B, em que geralmente o vampiro se torna no final, ele próprio caçador de vampiros, Portas fez o percurso inverso: enquanto jornalista caçou políticos (o Presidente da República ainda hoje não o pode ver), até que lhe ganhou o gosto e se tornou num deles. Foi durante muitos anos a alma do Independente que na altura não o era só de nome e inaugurou o verdadeiro jornalismo de investigação no nosso país, entrando como um elefante numa loja de porcelana pelos governos adentro, fazendo rolar muitas cabeças desprevenidas que fizeram dele ódio de estimação. É jovem, tem carisma e ainda bem que está de volta.

E depois, meus amigos, vivemos na era da imagem. A imagem é tudo e na política e em Portugal, ainda mais. Os portugueses não votam pelos conteúdos programáticos, por aquilo que é proposto, pelo que a governação pode vir a ser. Os portugueses votam no mais bonito, no mais bem vestido, no que fala melhor mesmo que aquilo que diga sejam uma série de balelas já que no fundo dizem todos basicamente o mesmo. Não interessa o que se diz, mas sim a forma como se diz! E aí está a grande questão.

Tomemos o exemplo do Ribeiro e Castro. É competente, tem ideias, é grande benfiquista, não esteve mal no estrangeiro, mas pelo amor de Deus, o homem tem uma cara de quem acordou às 7 da manhã num domingo com as testemunhas de Jeová a baterem-lhe à porta! Está aborrecido, está cansado, ou zangado, ou sei lá o quê, mas não convence nem o homem das bombas a meter-lhe “sem chumbo 95” quando o outro insiste na “98”, quanto mais…

Vejamos o caso da Odete Santos. Por muito brilhante e talentosa que a senhora seja, alguém acredita que dali poderia alguma vez sair um chefe de Governo?

A imagem conta e muito! É tão decisiva que será certamente uma das razões porque Marques Mendes terá sempre, apesar da prestação enquanto braço direito do Professor nos seus anos de ouro, o caminho para o poder tão barrado, pela inveja interna e pela pressão externa. A contingência de ser baixo, de ser alvo da chacota diária no Contra-Informação, de insistir em ir a escolas quando quase todos os alunos olham para ele de cima para baixo, há-de ser o grande estigma que o impedirá de se afirmar. O eterno candidato António Vitorino do PS sabe bem do que falo, também ele sofre do mesmo!

No próprio PSD, facilmente se conclui que perante a nossa maneira de pensar, um António Borges será sempre mais candidatável que uma Manuela Ferreira Leite apesar das provas já por si dadas em mais do que uma oportunidade.

José Manuel Durão Barroso beneficiou do seu ar simpático e algo bonacheirão, por inspirar confiança.

Sócrates é limpinho, faz desporto, faz questão que o vejam a praticar desporto, tem um ar agradável, de filho que todas as mães querem ter, de figurante em anúncios de companhias de seguros e apesar da sua mania ridícula de andar com as calças à meia canela, serve perfeitamente a minha teoria.

Fazia falta um casting de políticos. Fazia falta e já não há-de faltar muito, que antes de os submeterem a sufrágio e antes de saberem se sabem muito de muita coisa e se sabem como levar o país avante, se têm um ar candidatável para que quando na televisão perguntam às senhoras que passam na rua “porque votam neste ou naquele?”, elas possam responder “porque gosto e já está”.

Voltando ao início da nossa conversa e olhando para os miúdos do futebol em foto colectiva antes do jogo, dou por mim a pensar, com tanto bom aspecto, se lhes desse na cabeça de nas horas vagas, entre os jogos e os treinos, de formar um partido, não sei não! Como isto das votações para aí anda!

Se cá estivesse o bom do Fernando Peça, bem poderia terminar o desabafo por mim com um mais que apropriado: “E esta, hein?”

quarta-feira, março 21, 2007

25º Desabafo - 21 de Março de 2007 – De olhos postos no infinito



Há um pensamento que me tem assombrado ao longo de muitos anos e ainda hoje me deixa sem fôlego quando o retomo. Não conseguindo estabelecer a linha orientadora que me fez lá chegar inicialmente, posso tentar, com a ajuda das palavras, colocar-vos nesse ponto que considero de não retorno: ao nascermos e enquanto crescemos, somos formatados para viver e raciocinar mediante determinadas regras e conceitos. Não nos conseguimos abstrair da noção de tempo, de espaço, de religião, de história e de absoluto. Imaginem então que um cataclismo, uma guerra ou uma praga dizimavam toda e qualquer forma de vida, exterminando por completo as hipóteses de sobrevivência do nosso planeta. Imaginem que um cometa, um asteróide, um qualquer corpo celeste não passível de se desviado da nossa rota ou destruído antes do contacto, chocava e colocava um decisivo ponto final na história da terra. Tentem perceber então, o que ficaria depois… Suponham que não restava um único ser vivo, um livro, um registo, um apontamento, uma imagem, um resquício que fosse da nossa breve passagem por este mundo. Suponham que não restava nada! Que seria então de nós e da nossa efémera condição, nesse imenso universo infinito de que quase nada sabemos? Quem nos daria as respostas que todos queremos ver respondidas quando um dia chegarmos ao fim da linha? Será que alguém viria a saber, um dia, que nós alguma vez existimos?

Ficaria apenas o silêncio e a escuridão, a vaguear por entre o nada e sem nada mais ter para dizer. Nem dias, nem horas, nem memórias, nem sinal dos tempos… nem bem, nem mal, nem princípio, nem fim. Apenas um tremendo e absoluto vazio a reinar por todo o espaço sideral.

Esta constatação deixa-me sempre em suspenso e a imaginar se haverá alguma volta a dar porque mesmo que consideremos a presença de Deus e do seu Contrário, a existência do Céu, do Inferno e do Purgatório, depressa nos apercebemos que todas essa grandezas não passam também de abstracções ou realidades deste mundo que podem não ser compatíveis quando este se encontra destituído das suas próprias estruturas.


Imaginem o nada!

Sendo um apaixonado destas temáticas e um ávido curioso de novidades nestas matérias percorri praticamente todo o caminho para não profissionais e amadores dedicados, disponível na literatura, televisão e cinema. Nos livros, devorei Júlio Verne, as aventuras épicas d’”O Homem que veio do Futuro” e o clássico “Um estranho numa terra estranha” onde aprendi o significado da palavra “grocar”. Na saga televisiva, não perdi pitada de séries como “Cosmos” do Professor Sagan, e fui do “Espaço 1999” à “Galáctica”, do “Caminho das Estrelas” à “Guerra das Estrelas”, do “Buck Rogers” ao “V – Batalha Final”, do “Twilight Zone” aos “Ficheiros Secretos”. Em cinema, idolatrei e coleccionei os clássicos, dos “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” ao “E.T. – O extraterrestre”, do “Planeta dos Macacos” à “Duna”, do “Blade Runner” ao “2001 – Odisseia no Espaço”, da “Inteligência Artificial” aos “Aliens”, da Trilogia “Matrix” aos “Sinais”.

Quero eu dizer com isto que por força das circunstâncias e apesar de nunca ter sido barra a Física e Química, penso que, modéstia à parte, se houvesse uma invasão de seres vindos de um qualquer confim do Universo, dispostos a dar uma boleia à malta, era capaz de ter um lugar à frente garantido por força da fervorosa admiração destas temáticas, se é que existem dianteira e traseira num disco voador.

Aceito perfeitamente que haja quem em nada acredita. Custa-me! mas aceito os que pensam que estamos por nossa conta e risco, que não há nada de divino nesta história toda. Mas como é possível que alguém, uma vez deitado no banco de jardim do meu quintal numa noite quente de Verão, consiga olhar para cima e contemplar a sublime imensidão de luzinhas a piscar no infinito sem pensar que algures, que fica onde a nossa imaginação jamais conseguirá chegar, pode haver algo mais. Nem as nebulosas, os buracos negros, a multiplicidade de corpos celestes ou a vastidão do espaço os faz mudar de ideias e gerindo uma inqualificável posição egocêntrica para a qual nem sequer existe nome, dizem que o resto é tudo fantochada…

Andava eu às voltas com tudo isto quando uma súbita e tenebrosa insónia provocada por uns terríveis pesadelos fez de mim um leitor sonâmbulo a meio da noite. Não havendo mais nada disponível de momento, aproveitei para dar volta ao refugo da imprensa da semana, guardado em volumosos saquinhos do “Expresso” e do “Sol”, atafulhados com o que ficou por ler nos últimos dias.

E foi aí, quando deviam estar a bater as 4 da manhã, de luz acesa e olhos bem abertos que descobri, por entre os cadernos do imobiliário, uma entrevista que me perturbou ao ponto de me deixar ainda mais acordado, perplexo perante o universo de dúvidas que me surgiu praticamente do nada.

Nessas páginas conheci o Professor Sabit Abyzov, sexagenário cientista russo que esteve esta semana em Lisboa para uma Conferência na Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento e que anda há mais de 30 anos há procura de formas de vida extraterrestres… bem no interior do Pólo Sul!

Espantados? Também eu fiquei e acho que a coisa não é para menos. Realmente, desde que me lembro, sempre que me falavam em extraterrestres, a primeira coisa a fazer era olhar para cima. Pois este veterano das pesquisas por vida noutros planetas em ambientes frios, escolheu como local de estudo o Lago subterrâneo de Vostok, um dos maiores do planeta, com 250 quilómetros de comprimento por 50 de largura e cerca de 500 metros de profundidade, situado a 3.844 metros acima do nível do mar, que detém o recorde da temperatura mais baixa alguma vez medida: 89,6 graus negativos!!! Convencido de que poderiam existir bactérias ou algas unicelulares capazes de sobreviver nestes ambientes extremos, venceu o gozo da classe científica ao descobrir em 1975, vários tipos de micro organismos, como fungos que depois reanimou com uma mistura de nutrientes à base de caldo de batata com alguns pós de maquinaria molecular de leveduras.

E isto só acontece porque a água mantém-se líquida a grande profundidade devido ao efeito isolante das grossíssimas camadas de gelo que cobrem o continente, com um manto que cria um ambiente mais quente e agradável nas profundezas amenizado pelo calor que vem do interior da terra. Sendo assim, este deserto de gelo pode esconder uma imensa zona húmida, com ecossistemas inéditos. Não serão certamente extraterrestres como os que estamos habituados a ver armados até aos dentes na ficção científica, mas formas de vida muito embrionárias que poderão evoluir até aquilo que hoje somos, desde que as condições atmosféricas assim o propiciem.

Estamos a falar de um lago isolado de todo o mundo há pelo menos 500.000 anos, mas podendo ir até ao próprio milhão de anos, ou seja, muito antes da nossa espécie andar pela superfície da terra, partindo do Crescente Fértil Africano para colonizar o resto do mundo. Só para servir de referência, os vestígios mais antigos de um Homo Sapiens, do último estágio da evolução humana, têm 150.000 mil anos.

É por assim dizer, um maravilhoso mundo gelado que eu estava longe de conhecer antes e que agora nos indica as pistas mais concretas para o estudo de formas de vida existentes noutros planetas partindo precisamente do nosso. Realmente, estava longe de imaginar que o estudo de um ecossistema terrestre pudesse alguma vez funcionar como um modelo de investigação em astrobiologia. Na base destas preciosas informações, passaremos daqui em diante a olhar para Europa e Ganimedes, duas das luas geladas de Júpiter, que sabemos cobertas de gelo e com um Oceano líquido por baixo, de uma forma bem diferente…

Neste preciso momento, as brocas que perfuram o coração do deserto branco do Lago Vostok, mergulham a 3.660 metros em plenas montanhas geladas, explorando um mundo virgem que poderá ter muita para nos contar sobre aquilo que fomos e aquilo que poderemos um dia voltar a ser.

Não é tão bom só de imaginar?

quarta-feira, março 14, 2007

24º Desabafo – 14 de Março de 2007 – “Pela lei e pela Grei”


A notícia que Portalegre vai receber uma nova escola de formação da Guarda Nacional Republicana foi por mim recebida com o maior agrado. Penso mesmo que esta novidade que desfez de uma assentada as brumas das dúvidas que há muitos anos assombravam o Convento de São Bernardo, deveriam ser exultadas por todos os habitantes do distrito de Portalegre.

Quero eu dizer com isto que teríamos todos certamente muito a ganhar se porventura tivéssemos a capacidade de falar em muitos aspectos a uma só voz, forte e decidida que expressasse sempre que fosse necessário, o que vai na alma das mais de 120 mil penadas que fazem destes 6.065 km2 a sua grande casa. É que perdemos muitas vezes porque nos dispersamos em guerrilhas internas, em disputas e vaidades e acabamos por dar uma imagem de desunião que em nada nos favorece. Ninguém duvida que nos livros de Geografia é Portalegre cidade que figura como nossa capital, mas a verdade é que ter duas cidades pujantes, orgulhosas e com vida própria como são Elvas e Ponte de Sor, cada uma do seu lado desta manta de retalhos, olhando de soslaio para o protagonismo do ceptro alheio, acaba por nos dispersar.

É próprio da natureza humana querer mais e melhor mas sempre que a prudência levanta a sua voz, acabamos por perceber que às vezes mais vale perder um pouco para ganharmos todos no final, do que tentar açambarcar tudo aquilo que podemos no nosso próprio saco. Sei bem do que falo porque enquanto Vice-Presidente da Câmara de Marvão, lido quase que diariamente com a dificuldade de conseguir que falemos a uma só voz. Estando o município dividido pelo morro que o caracteriza e distingue, é muitas vezes uma tarefa inglória fazer que as vontades das localidades de um lado e do outro do monte falem sob o manto da entidade marvanense e se identifiquem nessa mesma unidade. Há os do Norte e os do Sul; os de Santo António e os da Portagem; os da Beirã e os de São Salvador; interesses e personalidades díspares, sentidos de comunidade diferenciados que raramente confluem nos propósitos. E eu canso-me de gritar que assim é difícil ter horizontes mais distantes porque quanto mais sós, mais fracos, e quanto mais fracos, mais apetecíveis para a cobiça alheia. Viessem agora de novo os de Castelo de Vide, como em tempos já idos, para levarem as mobílias da nossa longa história e seria bem mais difícil apanhar outro Mattos Magalhães que batesse o pé e pusesse a malta toda em linha para defender o que nos legaram com tanto esforço os nossos avós.

Se no concelho é assim, no distrito não muda muito e é tão triste ver a sufocante passividade com que vemos a planície inclinar-se para sul, levando tudo para Évora, sem que haja um rebelde caudilho que nos defenda desta deslocalização encarneirada. Encolhemos os ombros, cruzamos os braços e dizemos que é mesmo assim que tem de ser.

E é por isso que estas enormes vitórias como a da garantia do Primeiro Ministro e do Ministro da Administração Interna de que é em Portalegre que se vão formar os novos homens fortes da nossa Guarda, devem fazer fervilhar de Júbilo todo o distrito.

A mim, preenche-me particularmente porque foi ali que tive a sorte de ter o meu primeiro emprego, acabadinho de sair da faculdade, com 22 anitos mal cumpridos e com muita vontade de começar de vez a ir à grande luta. Numa época difícil e de resistência pessoal em que tantas portas que esperava abertas se me fecharam, foi no CIP, agora AIP, que me encaixei através de concurso público como professor civil de Inglês. Ali passei 3 saudosos anos da minha vida, ali conheci milhares de alunos, centenas de instrutores, militares e oficiais, dezenas de colegas e muito, muito boa gente. Sem querer ser indelicado para os outros sítios por onde passei, nunca fui tão bem tratado, tão respeitado e me senti tão bem como ali. Foram de facto tempos magníficos que constituíram para mim uma grande aprendizagem sobretudo ao nível das relações pessoais, com tanta e tanta gente diferente. Já na altura, nuvens de incerteza quanto ao futuro das instalações precárias, muitas delas pré-fabricadas, potenciadas com a cobiça da Escola de Queluz e da unidade de Aveiro, toldavam o horizonte com cenários que, sabemos agora, nunca haveriam afortunadamente de se concretizar.

Por motivos familiares, vive sempre com um pé no Alentejo e outro na Beira, um em Portalegre, outro em Castelo Branco. Sendo um produto híbrido, uma mescla inusitada de alentejano e beirão, acompanhei muito de perto os diferentes ritmos de crescimento destas duas urbes que nas últimas décadas evoluíram como dois siameses separados dos quais só um parecia ter hipóteses de sobreviver. Durante muitos e longos anos, a apatia, a inoperância e a total falta de sentido de oportunidade dos que conduziram os destinos da nossa capital de distrito, cercearam as nossas esperanças de desenvolvimento enquanto a nossa vizinha das Beiras renascia pujante, oferecendo de mão beijada os terrenos que os outros vendiam a preço de ouro, esfregando as mãos de contente e mudando quase semanalmente, mais 100 metros para sul, a placa que indicava o limite da cidade, estruturando um valioso tecido industrial que ainda hoje faz dela o que é. Durante anos a mais fomos o parente pobre, o patinho feio mas hoje, Graças a Deus e ao trabalho concreto de um homem e de uma equipa, podemos olhar para os nossos pares com outra dignidade.

Quem me conhece sabe bem que nunca fui de bajulações e se há uma virtude que seja de que me possa orgulhar, é a de ser sincero, de dizer sempre aquilo que realmente sinto por dentro. Digo-vos assim pois, sem qualquer tipo de influência partidária ou qualquer espécie de pejo que sou um adepto fervoroso do Eng. Mata Cáceres. Esta história de só elogiarmos que merece depois de morto não me serve e é por isso que me parece da mais elementar justiça que reconheça a minha admiração pelo homem que goste-se ou desgoste-se, mudou para sempre a face da cidade. A história há-de fazer-lhe justiça ao recordá-lo como aquele que, por muito que doa a alguns, produziu obra que há-de perdurar ao longo dos tempos.

Foi com Mata Cáceres que Portalegre passou de cidadezinha envergonhada do interior a capital convicta e orgulhosa do seu passado e da sua história. O absolutamente sublime novo edifício da Câmara; o elegante Centro de Artes e Espectáculos; as inúmeras renovações e melhoramentos no Calvário, no Jardim da Corredoura, no Castelo, no Mercado Municipal e em toda a cidade, a expansão da zona industrial e agora a nova escola que chega são traços que fazem de Portalegre uma urbe com classe e ambição que pisca o olho à modernidade sem nunca renegar o seu passado. Sei que há planos para a zona da Robinson e mil e um projectos a fervilhar, sedentos de se tornar realidade e de deixar as coisas como nunca foram antes.

Conheci-o mais a fundo numa reunião no âmbito da Associação dos 3 Municípios e impressionou-me desde logo a argúcia do seu olhar, pela forma como estuda e escuta os seus interlocutores, como parece raciocinar enquanto fala, a sua calma, noção de estratégia e clareza de discurso. Admiro o seu estilo destemido, do ame-se ou odeie-se; sem meios termos e contemplações; sempre claro, curto e conciso, com dureza quanto baste que tanto pode intimidar como apaziguar.

Sei que pode parecer caricato para alguns, sei que não é normal tecerem-se rasgados elogios a quem ainda mexe, a quem ousa ser empreendedor e que pode e suscitar as mais diversas opiniões, mas a verdade não deve calar e em momentos tão importantes para a cidade e para o distrito em que vitórias como esta deveriam ser unanimemente reconhecidas e divulgadas, a bem de todos.

Diziam-me há dias, com muita piada, que o mal do nosso país foi o Salazar não ter deixado cá um filho que tivesse dado continuidade ao seu trabalho. Faço votos que a força e a dinâmica que despontam agora em Portalegre nunca fraquejem e se espalhem a todo o distrito que tanto precisa e que o trabalho bem feito nunca canse e sirva de inspiração para todos nós.

quarta-feira, março 07, 2007

23º Desabafo – 7 de Março de 2007


Os meus amigos que me desculpem, mas este tem mesmo de ser muito pessoal. Bem sei que os meus desabafos não têm sido outra coisa senão suspiros muito pessoais. Bem sei que provavelmente não tenho servido a causa inicial como seria suposto, mas eu alego que sou mesmo assim e mesmo que de outra maneira quisesse ser, não seria capaz. Os dedos fogem-me sempre para as teclas da verdade e não sai outra coisa senão aquela que me palpita bem no peito e me sufoca a garganta até sair. Poderia certamente fazer como os meus ilustres colegas de púlpito, que na sua análise crítica, pragmática, política e bem definida, defendem a dama até à última consequência. Eu lamento… mas não sou assim.

Geralmente os desabafos chegam-me em forma de pensamento que me acompanha ao longo da semana. Há sempre uma ideia prévia, uma notícia, uma imagem, uma recordação, um som ou uma situação da vida real que me põe a pensar. A pensar primeiro para mim e depois na maneira de pôr os outros a pensar sobre a mesma temática. Desta vez, o desabafo que era para ser já não é porque, como vos digo, por forças das circunstâncias, vi-me envolvido numa situação pessoal muito peculiar que é aquela que me faz hoje querer de facto desabafar convosco, fiéis ouvintes ou fortuitos ocasionais, que me dão o prazer de me dispensarem 6 ou 7 minutos da vossa atenção por semana.

Há quase dez anos atrás, num fatídico 5 de Outubro de 1998 que seria dia de festa e de matança de um porco para a família, recebi a notícia que a minha mãe tinha caído e se encontrava menos bem. Estando a apenas quatro quilómetros do local, voei com a máxima velocidade para à porta de sua casa, onde ainda se encontrava deitada no chão. Pensei de imediato que teria tido algum acidente vascular ou cardíaco que a tinha empurrado para aquela situação, mas apercebi-me segundos depois que estava bem e que tinha apenas escorregado. As dores eram muitas, mas o facto de mexer os dedos dos pés, levou-me a pensar que podia apenas ser uma rotura ou um deslocamento. Levada para o hospital de Portalegre, soube ao primeiro diagnóstico que tinha uma rotura no colo do fémur e que teria de ser intervencionada. A operação prolongou-se por dramáticas 5 horas, depois de muita ansiedade e muitas transfusões de sangue. A recuperação foi lenta e dolorosa mas acreditámos todos que seria para seu bem. Porém, as radiografias e a sua permanente dificuldade em andar faziam antever que algo não funcionava.

A verdade é que quem a operou falhou redondamente, confirmando a terrível fama do nosso hospital na área da ortopedia. Falhou e não falhou apenas na operação. Falhou ainda mais quando viu que não tinha tido sucesso e argumentou que era normal nos dois primeiros anos, haver sequelas daquela natureza. Dois anos que é precisamente, segundo sei, o prazo de que dispõe os utentes para reclamar legalmente. Vivêssemos nós nos Estados Unidos e já me via de charuto nos queixos a tomar longos banhos de sol na piscina da vivenda milionária, adquirida com uma ínfima parte da indemnização decretada judicialmente. Se naquele país até os fumadores morrem ricos das chorudas bateladas que as empresas tabaqueiras lhe pagam por lhes terem dado que fumar ao longo da vida! Mas não, meus amigos… é Portugal, é comer e calar! E assim passamos nos corredores e temos muitas vezes de sorrir para o carniceiro de serviço ao qual nos apetecia mais esganar mas mandam as regras da boa etiqueta que não é assim que os meninos crescidos se comportam e nós calamos subservientemente.

Passaram-se mais de sete longos anos de silencioso sofrimento, de muleta ou bengala, a arrastar-se para tentar ser feliz e depois de muita consulta, muito quilómetro, muita esperança desvanecida, lá chegou a confirmação do diagnóstico da asneira com o respectivo resgate da lista de espera para operação correctiva.

De Portalegre, fugida a sete pés, aterrou em Montemor-o-Novo num hospital bem prestigiado nestas coisas de ossos. Quando tudo resolvido e depois de debelar uma infecção numa perna apanhada no anterior internamento, lá seguiu para a tão esperada cirurgia. Ligou-me ainda na mesa das operações a dizer que a tinham que fechar. “Mas porquê?” perguntei eu incrédulo de não poder mais com tanta história. Só depois de aberta verificaram que a peça que lhe tinha sido introduzida em Portalegre necessitava uma chave específica para ser retirada e chave, nem vê-la! Nem tão pouco se sabia se haveria uma disponível em Portugal. Quando depois de encontrada, voltou à sala branca para colocar nova prótese. Nova operação, nova recuperação, novo esforço que consome e fraqueja.

Saída da cadeira de rodas e tempo depois, quando já sonhava com uma vida normal, uma dor incisiva toldou-lhe o horizonte. Fazendo o obrigatório raio-X para despiste, confirmou-se o pior. A prótese estava partida.

Voltou tudo à estaca zero. Entrada pelo hospital de Évora e as habituais desculpas do costume que a nós sinceramente, já de nada valiam.

Enterra-se o passado e aposta-se tudo no futuro. Pediu-se um esforço derradeiro e avançou-se para nova prótese que era desta, que sim, que não havia por onde falhar. Depois da duríssima operação foram quase 7 meses de repouso longe da família, muitos dias de fisioterapia, de saudade, de esforço e de dúvida, de ansiedade e muito sofrimento para nós também. Mas avançámos certos que teria de ser por aqui.

Tinha recomeçado a trabalhar há poucos dias, há um mês talvez, com o apoio comovedor de toda a comunidade escolar de Santo António das Areias, que lhe abriu as portas e o coração e a recebeu como a um filho pródigo. Tínhamos começado a desenhar agora os seus planos de futuro e a construção da casinha com que sonhou toda uma vida e onde já se via a brincar ou a jardinar com os netos.

Encontrei-a na missa, no domingo e angústia do seu olhar como só eu conheço disse-me tudo e alvoraçou-me o sistema cá por dentro. Dificilmente convencida, lá avançámos para Portalegre para a inevitável chapa, a tremer já por tudo o que era sítio.

E o pior confirmou-se.

Partiu a prótese pela segunda vez e a quinta operação, quarta no espaço de um ano era a única solução. Levámo-la nessa mesma noite para Montemor onde foi segunda-feira operada. Numa cirurgia prevista de 3 horas, foram necessárias 9, desde as 9 e meia da manhã até quase às seis da tarde, para levar a cabo os trabalhos. Nesta batalha duríssima pela vida e pela sua saúde, necessitou 7, digo 7 unidades de sangue para alimentar a réstia de vida e de coragem que a fazem seguir em frente, com uma tenacidade impressionante.

Alguém que sabe e acompanhou os trabalhos desde o início, garantiu-me que a asneira não foi só da primeira, mas repetiu-se na terceira e na quarta operação e quando me perguntam se é desta, eu faço cara de parvo e encolho os ombros porque não consigo fazer mais nada.

Disse-me esse alguém que sabe, à boca pequena, que era impossível seguir em frente com a placa e com o enxerto que lhe foi colocado da última vez.

À boca pequena porque com a classe médica ninguém pode. Contra a classe médica ninguém vai. Contra a classe médica, ninguém se safa.

Mas a verdade é que ao longo destes anos de Calvário, desta inexplicavelmente dura Via Sacra, encontrámos nessa mesma classe médica, profissionais de uma simpatia e de um rigor profissional inultrapassável. Sabemos que há muitos médicos, muitos enfermeiros, muitos profissionais, homens e mulheres do maior gabarito e tivemos a sorte de conhecer muitos deles.

Nunca se pode julgar o todo pela parte. Mas se esses profissionais sabem, confirmam, constatam que houve erros de colegas, falhas que prejudicaram as vidas de pessoas, de famílias inteiras, porque será que não os denunciam? Porque será que não tentam apurar a verdade? Porque será que não tentam repor a legalidade e a justiça quando sabe que estas foram cegas? Porque será, e esta é a grande questão, que não evitam que os mesmos erros prejudiquem pessoas indefesas que confiam e descontam para que a nossa classe médica os possa salvar? Porquê esta verdade em surdina? Porquê esta estúpida, idiota e completamente aberrante consciência de classe? Será que a consciência de uma classe vale mais que a saúde de uma pessoa?

São estes mil porquês que me atormentam, que se apoderam de mim e me consomem, que me deixam sozinho e a gritar para o vazio. A falar com dúvidas tremendas que nunca me hão-de dizer nada.

Mas digo eu que não calo para que se saiba como é, e para que ao menos não volte a acontecer a quem lá cair de surpresa.

E entretanto a Alzira luta para seguir em frente. Será que é desta, Alzira?

Deixo um abraço muito especial a todos os amigos que nos têm apoiado, aos excelentes profissionais que nos têm ajudado e a todas as almas que sofrem, que conhecemos nesses corredores fundos e que nos ensinam com a sua gratidão e entreajuda que às vezes a felicidade está mesmo aqui ao nosso alcance, quando estendemos a mão não para pedir, mas para consolar quem está inconsolável ao nosso lado.

Bem hajam!